Passada a onda de matérias jornalísticas a respeito das alterações da Lei de Locações, podemos iniciar, com calma, uma apreciação de alguns dos tópicos da denominada “Nova Lei do Inquilinato” (Lei n. 12.112, de 9 de dezembro de 2009).
Vamos nos ater, hoje, ao parágrafo único do artigo 62 da Lei de Locações, deixando para as próximas colunas aspectos outros já ventilados – ou não – pela mídia.
Comecemos fazendo uma comparação dos dois dispositivos.
Texto original (Lei 8.245/91): “Art. 62. (…) Parágrafo único. Não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade por duas vezes nos doze meses imediatamente anteriores à propositura da ação.”
Nova redação do mesmo comando (Lei 12.212/09): “Art. 62. (…) Parágrafo único. Não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação.”
A matemática é muito simples. Pela norma original, o locatário só não podia purgar a mora de novo se já tivesse exercido essa opção por duas vezes nos últimos doze meses, o que raramente acontecia, porque o processamento de um despejo por falta de pagamento, do vencimento do aluguel à distribuição, citação e prazo para a emenda da mora dura pelo menos seis meses, de modo que havia quase que uma impossibilidade física de que a terceira ação de despejo ocorresse no tempo limitado de um ano. Consequência: esta não era uma maneira viável de se desalojar o inquilino indesejado.
Com o novo texto, o locatário só pode purgar a mora uma única vez no prazo de 24 meses. Sua possibilidade de recuperação foi reduzida a um quarto, de duas vezes por ano ou quatro em dois anos, para uma única oportunidade em dois anos.
Se antes o locador praticamente não tinha como despejar o locatário, porque – repita-se – ao interpor a terceira ação de despejo provavelmente já teriam decorrido 12 meses desde a primeira purgação da mora, agora é o locatário que está na difícil situação de perder sua moradia ou seu ponto de comércio se cochilar uma única vez no cumprimento de sua obrigação de pagar os locativos em dia. Não há segunda chance. Estará totalmente à mercê do locador.
A nosso ver, o legislador radicalizou a questão. Partiu de um extremo ao outro, quando deveria ter fixado regra mais consentânea com a realidade e a natureza humana, por exemplo, impedindo a purgação da mora se o locatário já houvesse utilizado essa faculdade “por duas vezes nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação”.
Como enfatizou o advogado José do Carmo Badaró, em artigo publicado no jornal Indústria & Comércio (19.02.10), milhares de pequenos lojistas do país poderão perder seus negócios, especialmente os situados em shopping centers, porque estarão sujeitos aos revezes da economia. Se houver mais de uma crise global ou setorial em dois anos, o que é bem possível, impedindo-os de continuar honrando seu aluguel em dia, não terão como evitar o despejo, mesmo sacrificando o pagamento de salários e outros débitos improrrogáveis.
Vamos aguardar, pois ainda é cedo para antever a reação do mercado e da Justiça…
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.