A interpretação é parte indissociável do direito. Cabe aos juízes dizer o que é o direito, mas também as sentenças judiciais são interpretadas pelas pessoas que as lêem, e muitas vezes o que parece ser uma coisa para uns, para outros tem um significado diferente, ensejando equívocos e novas discussões. E aí, de certo modo, reside a beleza do direito, porque, a rigor, ninguém tem a última palavra.
Feita esta pequena digressão, fixemo-nos em decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da impenhorabilidade de usufruto, fato que não deve ser confundido com a impenhorabilidade (possível) de imóvel que tenha cláusula de usufruto.
Diz a emenda do acórdão relatado pelo ministro Sidnei Beneti (2006/0201185-7):
“I – Da inalienabilidade resulta a impenhorabilidade do usufruto. O direito não pode, portanto, ser penhorado em ação executiva movida contra o usufrutuário; apenas o seu exercício pode ser objeto de constrição, mas desde que os frutos advindos dessa cessão tenham expressão econômica imediata.
II – Se o imóvel se encontra ocupado pela própria devedora, que nele reside, não produz frutos que possam ser penhorados. Por conseguinte, incabível se afigura a pretendida penhora do exercício do direito de usufruto do imóvel ocupado pela recorrente, por ausência de amparo legal.”
Vamos ao relatório do aresto. Trata-se de ação de arbitramento de aluguel, movida pelo nu-proprietário contra a usufrutuária de 50% do imóvel e que nele reside, com o objetivo de receber a metade do valor do aluguel.
Julgada procedente a ação, fixado e não pago o aluguel, iniciou-se a fase de execução da sentença, na qual “foi deferida a penhora do direito ao exercício do usufruto da demanda sobre o imóvel objeto da ação, bem como foi determinado o seu despejo”. No Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede de agravo de instrumento, ficou confirmada a decisão.
No recurso especial, a moradora argumentou que “tem direito adquirido de residir do imóvel, arrematado por preço abaixo do mercado pelo agravado” e que o usufruto, “além de vitalício e indivisível é também impenhorável e personalíssimo”, só podendo ser extinto nos casos previstos no Código Civil.
Pondera o ministro Sidnei Beneti que, de fato, “o usufruto é um direito real transitório que concede a seu titular o direito de usar e gozar de bem pertencente a terceiro durante certo tempo, sob certa condição, ou vitaliciamente”, ficando o direito do nu-proprietário limitado “à substância da coisa”. No caso concreto, como o imóvel encontra-se “ocupado pela própria devedora, que nele reside, não produz frutos que possam ser penhorados”, não sendo cabível a pretendida “penhora do exercício do direito de usufruto”, por falta de amparo legal.
Lembra o ministro do STJ que “a própria exceção à regra da inalienabilidade prevista no art. 717 do CC/1916, que permitia fosse o usufruto transferido ao proprietário da coisa, foi abolida pelo Código de 2002, ao dispor em seu art. 1.393, primeira parte, que não se pode transferir o usufruto por alienação”.
No desfecho, foi dado provimento ao recurso especial, “declarando a impenhorabilidade sobre o exercício do usufruto” da recorrente. Votaram com o relator os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Nancy Andrighi, Massami Uyeda e o desembargador convocado Vasco Della Giustina.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.