O tema da exoneração do fiador nas locações continua rendendo dividendos e produzindo reflexos nas esferas judiciais, como mostra acórdão do Superior Tribunal de Justiça cujo foco de discussão foi o termo de liberação do ônus ingrato.
Julgado pela Quinta Turma e relatado pela ministra Laurita Vaz, o recurso especial apreciado (n. 900.214-SP) insurgira-se contra decisão do Tribunal de Justiça paulista que entendera que, se há ação de despejo em andamento quando o fiador manifesta sua vontade de exonerar-se da fiança, “deve-se atentar a este fato, evitando beneficiar qualquer das partes e estabelecer como marco inicial da exoneração a sentença proferida no despejo”.
Em seu voto, a ministra Laurita Vaz menciona tratar-se de ação declaratória de exoneração de fiança de locação contratada por quatro anos em 1994, prorrogada uma vez com a anuência do fiador e posteriormente prorrogada por prazo indeterminado sem o consentimento do garante.
Acontece que em setembro de 2002 foi ajuizada ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis, sucedida 82 dias depois por ação de exoneração da fiança, com respaldo na norma do Código Civil que permite ao fiador “exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando, porém, obrigado por todos os efeitos da fiança, anteriores ao ato amigável, ou à sentença que o exonerar” (art. 1.500 CC/16 vigente na época). No caso, a sentença de despejo foi proferida em outubro de 2004 e os locatários desocuparam o imóvel em maio de 2004.
Recorreu o locador ao STJ porque entendeu que, sendo aplicada a decisão do TJSP, ficaria sem receber aluguel durante sete meses, entre a sentença (outubro/03) e a desocupação do bem (maio/04), o que não seria justo.
A ministra relatora vale-se da lição de Clóvis Bevilaqua, jurista que redigiu o projeto do Código Civil de 1916, para quem “a fiança, ato benéfico, desinteressado, não pode ser uma túnica de Nessus”, e “assim como o fiador, livremente, a tomou sobre si, livremente, lhe sacode o jugo, quando lhe convier, pois, não tendo prometido conservá-la por tempo certo, contra sua vontade, não poderá permanecer indefinidamente obrigado”.
Se o locador recusar-se a devolver a carta de fiança, o fiador poderá apelar ao poder judiciário, “que o libertará por sentença”, diz Clóvis. E prossegue: “Até a decisão definitiva do juiz, durarão os efeitos da fiança (…). Não é justo. Se o juiz reconhece que o fiador tinha o direito de exonerar-se da fiança, não devia o Código sujeitá-lo às conseqüências do capricho do credor.”
Com base nessa doutrina, entendeu a relatora que “os efeitos da sentença que desonerar o fiador devem retroagir à data da citação do locador” (janeiro/03) e não, como disse o TJSP, à data da sentença de despejo (outubro/03). Porém, como esse resultado seria prejudicial ao próprio locador-recorrente (perderia não sete mas 16 meses de aluguel), em respeito ao princípio de que ninguém pode ser prejudicado por seu próprio apelo (non reformatio in pejus), e porque os fiadores não haviam se manifestado, a Quinta Turma do STJ, em decisão unânime, manteve “incólume o acórdão recorrido” que fixara o termo inicial da exoneração a partir da sentença do despejo.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB.