Somente os mutuários do SFH que contrataram financiamentos até 25 de outubro de 1996 podem ceder seus imóveis sem a anuência do banco, sendo “o cessionário parte legítima para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos” através de contrato de gaveta.
Se a contratação ocorreu em data posterior, ”a lei impõe a interveniência obrigatória do agente financeiro para a regularização da cessão realizada, o que implica, necessariamente, a ilegitimidade ativa ad causam da parte autora”.
É essa a leitura que se faz de acórdão da Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro, de lavra do juiz federal convocado Leopoldo Muylaert. A razão de decidir do tribunal, em favor da Caixa Econômica Federal e contra os adquirentes do imóvel, está sintetizada na seguinte frase: “A restrição legal à liberdade das partes em contratar se impõe para minimizar lesões ao Sistema Financeiro, evitando que se realizem negócios jurídicos que não poderão ser honrados, o que, em última análise, protege também as partes envolvidas.”
Em seu voto, o relator diz que “cinge-se a questão a determinar se os autores, que firmaram instrumentos particulares de cessão de direitos com os antigos mutuários, sem a anuência da ré [Caixa], detêm ou não legitimidade ativa para discutir os valores das prestações, e ofertar valores que entendem devidos”.
Explica que o artigo 20 da Lei 10.150/00 permitiu a regularização das transferências no âmbito do SFH, desde que os contratos tivessem “sito celebrados entre o mutuário e o adquirente até 25 de outubro de 1996”, ao mesmo tempo em que deu nova redação ao artigo 2º da Lei 8.004/90, disciplinando a transmissão “mediante simples substituição do devedor, mantidas para o novo mutuário as mesmas condições e obrigações do contrato original”, porém condicionando o ato a requisitos legais e regulamentares, “inclusive quanto à demonstração da capacidade de pagamento do cessionário em relação ao valor do novo encargo mensal”.
Se o legislador procurou resolver a questão social dos contratos de gaveta, permitindo a regularização dos firmados até 25.10.1996 sem a anuência do agente financeiro, argumenta o relator, “ilógico e contrário à filosofia do Sistema Financeiro da Habitação seria inadmitir a discussão das cláusulas contratuais por aquele que, efetivamente, está arcando com o ônus do financiamento”, pois a Lei 8.004/90 passou a “exigir a interveniência obrigatória da instituição que financiou originalmente a compra do imóvel para a transferência”.
A realidade é reconhecida pelo acórdão, ao registrar que “para manter as mesmas condições de financiamento, os contratos de gaveta continuam a ser firmados sem a anuência do agente financeiro, agora, claramente exigida por lei”.
O posicionamento do relator, confirmado por unanimidade por seus pares, é claramente contra os contratos de gaveta. Literalmente: “A intenção do legislador não foi a de regularizar qualquer cessão, mas de resolver um problema social que se multiplicou, exatamente por ausência de previsão expressa em lei. Assim, ao permitir a regularização de tais acordos, simultaneamente modificou a legislação para deixar expressa a necessidade de interveniência do agente financeiro, considerando a necessidade de proteção do Sistema Financeiro como um todo.”
Em suma: transferência sem aumento da prestação, sim, mas na forma da lei.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB.