Afinal, o proprietário do imóvel pode alugá-lo por preço inferior ao de mercado, dando um desconto ao locatário para pagamento pontual? Esta tem sido a praxe em Curitiba, pelo menos desde 1964, ano em que chegamos à cidade para estudar. Tal norma consuetudinária (praticada por todos e aceita por todos, com grau de legitimidade maior do que muitas leis) está sendo contestada através de declarações à imprensa por parte de pessoas vinculadas aos órgãos de defesa do consumidor.
Mais uma vez o locatário está sendo tratado como incapaz de defender seus direitos ou de saber o que é melhor para ele. E o pior de tudo: na batalha pela mídia, as imobiliárias e proprietários, que já perderam algumas batalhas de conquista da opinião pública, correm o risco de sofrer mais uma derrota.
Procura-se, agora, taxar de abusiva a bonificação por pagamento dentro do prazo, sob a alegação de que o desconto constitui uma forma camuflada de extorquir mais dinheiro do inquilino. Como veremos, estão procurando transformar a exceção em regra geral.
Ônus dos dois
Nos tempos de elevada inflação, o locador sofria mês a mês os efeitos danosos da desvalorização do aluguel pago pelo locatário. Depois que que a inflação arrefeceu, aumentou a oferta de imóveis para locação com o conseqüente recuo no valor dos aluguéis, em queda desde o início de l996 ou final de l995. Se em Curitiba antes havia pouco mais de dois mil imóveis em oferta, hoje há perto de seis mil. Tanto antes como depois do Plano Real, o locador raramente tem obtido um aluguel satisfatório para seu investimento, sendo poucos os imóveis que efetivamente produzem um rendimento igual ao seu valor de mercado.
Chegamos, pois, ao ponto fundamental da questão? Se o proprietário concede um desconto para o locatário que paga seu aluguel pontualmente, tal liberalidade constitui tão-somente um ônus ao inquilino, quando deixa de pagar o locativo em dia, ou também um permanente ônus ao locador, por receber mensalmente um aluguel inferior ao de mercado? Em outras palavras, o proprietário também não está sendo sacrificado, ao alugar um imóvel por valor menor do que o compatível, para estimular o inquilino a cumprir suas obrigações em dia? Ou a lei proíbe que se conceda uma vantagem à parte contrária num contrato livremente pactuado?
No nosso entender, a bonificação para pagamento pontual só tem natureza punitiva, confundindo-se com multa contratual, quando o valor líquido pago pelo locatário é igual ou maior do que o aluguel de mercado, não quando inferior. Até prova em contrário, portanto, é válida e coerente a bonificação dada pelo senhorio ao inquilino, não se devendo falar em abuso ou extorsão.
Sem radicalismo
Nossa Justiça, que não cansamos de elogiar porque sempre evita o radicalismo de interpretações facciosas, já decidiu que não é possível acumular o desconto para pagamento pontual com a multa moratória de l0% (dez por cento), a fim de não onerar em demasia os locatários, porque, de um modo ou outro, a perda da bonificação sem dúvida representa um castigo ao devedor em mora. E esta tem sido a orientação seguida pelas imobiliárias de Curitiba: nunca onerar o locatário com multa, além da perda da bonificação para pagamento pontual.
Para reduzir a diferença entre o aluguel líquido e o bruto a somente 10% (dez por cento), para acompanhar o percentual máximo de multa, será necessário provar que o preço de mercado está acima do aluguel pontual ou que o aluguel bruto, sem bonificação, onera o inquilino em mais de 10% acima dos preços praticados para aquela locação. Se a Justiça acatar tal argumento, o que passar de ll0% (cento e dez por cento) do valor de mercado deve ser descontado da dívida do locatário. Só pode ser considerado abusivo o que passar desse limite mínimo, examinado caso a caso.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (041)224-2709 e fax (041)224-1156.