Artigo Nº 69 – LEI E CONVENÇÃO EM CONFLITO

Do Rio de Janeiro recebemos correspondência solicitando orientação quanto a questão envolvendo eleição de síndico, e mais especificamente, conflito de competência entre a lei e a convenção do condomínio. O problema é particular, mas de interesse geral.

A questão

Perdi a eleição do meu prédio por diferença de apenas um voto.  A síndica ‘eleita’ é uma locatária, pessoa estrangeira de passagem pelo Brasil. A síndica utilizou cinco procurações dadas em seu nome, uma com dois votos.

A convenção estabelece que o síndico será escolhido entre os condôminos do prédio e que o procurador não pode utilizar as procurações em causa própria.

Na assembléia extraordinária que se realizará brevemente, aproveitarei a oportunidade para apontar o erro e pedir a restauração da ordem, pois a convenção foi transgredida com a eleição de síndico não-condômino e a utilização de procurações em causa própria.

O pequeno grupo que apóia a ‘síndica’ já está alegando que a próxima assembléia não pode rever a decisão anterior para modificar o resultado da eleição.

Sou proprietário e me sinto prejudicado pelo erro só agora constatado com a leitura do seu ‘Guia”. Esclareço que na ‘Ordem do Dia’ não constará (da respectiva ‘convocação’)  o assunto.

Se não optarmos pelo judiciário, teremos que conviver com um síndico eleito irregularmente até final do seu mandato?


A resposta:

A questão é realmente complexa e seria melhor dirimida na esfera judicial. Na tentativa de lhe fornecer elementos que possam ajudar o condomínio a encontrar uma solução prática e barata para o assunto, passamos a emitir alguns comentários.

Quanto a não ser o síndico condômino. Diz a Lei 4.591/64: “Art. 22. Será eleito, na forma prevista pela convenção, um síndico do condomínio, cujo mandato não poderá exceder a 2 anos, permitida a reeleição”. A lei não exige que o síndico seja um condômino (proprietário) como o faz ao se referir à eleição dos membros do Conselho Consultivo. 

Art. 23. “Será eleito, na forma prevista na convenção, um conselho consultivo, constituído de três condôminos, com mandatos que não poderão exceder de 2 anos, permitida a reeleição.” Todos os intérpretes da Lei do Condomínio têm entendido que o síndico pode ser pessoa física ou jurídica, proprietário ou não de unidade autônoma no prédio.

O ponto fulcral é saber se a convenção do condomínio pode estabelecer validamente disposição contrária à lei nesse ponto, ou seja, se o comando legal é de ordem pública ou dispositiva, vale dizer, se pode ser modificado pelos interessados. Os artigos mencionados expressamente indicam que tanto a eleição do síndico como a dos membros do conselho consultivo deverá ser feita “na forma prevista na convenção”. Isto significa no modo indicado, na maneira estabelecida, conforme as normas vigentes. Forma, modo, maneira ou norma constituem ação de meio, não se podendo estender sua atuação em demasia, ao ponto de se permitir que a convenção regulamente o assunto de modo contrário à lei.

Se ao regular a forma de eleição a convenção pudesse dispor sobre temas essenciais, não haveria necessidade de o legislador discriminar quanto à eleição do síndico e de membros do conselho consultivo. Bastaria dizer: ‘Serão eleitos, na forma prevista na convenção, um síndico do condomínio e três membros do conselho consultivo, com mandato que não poderá exceder de 2 anos, permitida a reeleição.”

Se o legislador discriminou, é porque, no nosso entender e da unanimidade da doutrina, pretendeu dar aos condôminos a mais ampla possibilidade de escolha de síndico, pouco importando que seja condômino ou não, pessoa física ou não, brasileiro ou não. 

Quanto ao uso de procurações em causa própria, a questão nos parece diferente. O condomínio pode regulamentar a forma de realização de suas assembléia, impondo restrições à utilização de procurações, por exemplo, não permitindo que um procurador tenha mais do que duas ou três procurações, impedindo que vote em assunto em que tenha interesse direto (causa própria) e assim por diante.

No caso específico, houve flagrante infração à convenção do condomínio, o que torna anuláveis todas as decisões baseadas em voto com procuração em causa própria. Como a decisão não é nula de pleno direito, mas anulável, é preciso que seja declarada a sua nulidade, por meio de decisão judicial ou, no nosso entender, por intermédio de uma nova assembléia geral extraordinária do condomínio, especialmente convocada, na qual o assunto conste da ordem do dia e seja deliberado e votado pelos condôminos.

Não se trata de destituição do síndico, mas de declaração de nulidade de sua eleição, por infração às normas do condomínio. Enquanto não declarada a nulidade, o síndico irrregularmente eleito continuará exercendo seu mandato normalmente, pois, repetimos, a hipótese não é de nulidade absoluta, mas relativa, que produz efeitos só a partir do momento em que reconhecida (ex tunc), sem retroagir ao início do ato maculado.

Assim, caso a assembléia declare a nulidade, será necessário realizar nova votação para a escolha do síndico, o que poderá ficar previsto na própria convocação.