Proprietários de imóveis não podem ficar acomodados e depois irem ao “bispo” reclamar que a imobiliária não fez vistorias periódicas que comprovassem os danos provocados pelo inquilino. Em suma, esta a lição que se extrai de decisão judicial proferida pelo Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo. O caso é interessante, merecendo ser contado no curto espaço desta coluna.
Em ação de ressarcimento por danos causados a imóvel locado, o juiz acolheu o pedido formulado contra o locatário, mas rejeitou a pretensão do locador com relação à administradora da locação, entendendo que esta nenhuma responsabilidade tinha pelos danos constatados no imóvel, nem mesmo por conta de alegada omissão.
Em sua apelação, o locador reitera que a imobiliária, ao se conduzir omissivamente ao longo de todo o pacto locatício, deixando de fazer as vistorias que lhe competiam e às quais se comprometera quando contratada, tornou-se solidariamente responsável pelos danos causados ao imóvel pelo inquilino; não fosse sua omissão, os danos não existiriam ou não teriam atingido o vulto que ostentaram no final do contrato.
Duas relações
Fundamentando seu voto, o relator do acórdão, juiz Milton Sanseverino, admitiu a legitimidade passiva da imobiliária, visto ser parte no contrato de administração celebrado com o locador, porém não vinculou necessariamente a legitimidade à responsabilidade pelos danos ocorridos. Como diz “as coisas, entretanto, não são assim tão simples”. Lembrou que existem duas relações jurídicas envolvendo as partes. Uma primeira relação jurídica envolve, no plano do direito material, o locador, de um lado, e a locatária, de outro, tendo por objeto o imóvel locado e o aluguel correspondente. É o contrato de locação.
Outra relação jurídica material – “em tudo diversa daquela primeira”- é o contrato de administração celebrado pelo senhorio com a administradora, tendo por objeto a prestação de serviços de administração daquele primeiro contrato, mediante comissão. No primeiro contrato não intervém a administradora (como parte, pois assina o instrumento na qualidade de procuradora do locador) e no segundo não participa o locatário. Coincidência de sujeitos só há, frisa o juiz relator, no pólo ativo das duas relações jurídicas materiais.
Assim sendo, prossegue, de diferentes contratos decorrem direitos e obrigações igualmente diferentes, não se podendo apanhar cláusula ou estipulação de um e aplicar no outro, singelamente, como se fosse uma só relação jurídica. Tal raciocínio veio à baila porque o locador alegou que no contrato de locação (e não no de administração) consta cláusula que prevê a realização de vistorias periódicas no imóvel locado, obrigando-se o locatário a permitir que tais vistorias sejam feitas na forma ali prevista.
Omissão do locador
Tal obrigação, entretanto, só seria imputável à imobiliária se decorresse da outra relação jurídica material, a saber, o contrato de administração. Obrigação, se havia, era do inquilino e, direito, do locador. Se omissão houve, foi, em verdade, basicamente do proprietário, que nunca se preocupou com a vistoria do seu imóvel, fosse pessoalmente, fosse por intermédio da administradora, durante os muitos anos de locação. Só acordou quando da entrega do imóvel pelo locatário. Pergunta o relator: “Por que o recorrente não tomou a iniciativa de inspecionar pessoalmente o imóvel de vez em quando, já que o contrato de locação lhe conferia esse direito? Por que – na eventual impossibilidade de o fazer – não provocou a atividade substitutiva da administradora, com idêntico objetivo (por escrito para poder provar mais tarde se necessário)? Por que, enfim, quedou inerte tanto tempo?”
A íntegra do acórdão (apelação c/ revisão n.º 460743-00/4) está publicada no Boletim do Direito Imobiliário, ano XVIII, 2.º decêndio, maio/97, págs. 19 a 21.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone 041-224-2709 e fax 224-1156.