O locatário poderá restituir o imóvel ao proprietário locador, valendo-se para tanto, em caso de recusa, do procedimento consignatório. As perdas e danos, pagamento total dos aluguéis ou da multa contratual rescisória serão apreciados oportunamente, uma vez que o inquilino continuará com o ônus do contrato, embora sem as vantagens do mesmo, que unilateralmente, quis rescindir.
No direito brasileiro, o locatário tem o direito devolver o imóvel ao locador a qualquer tempo, mesmo com o contrato em curso, como se lê na ementa acima transcrita, proferida em embargos infringentes julgado decidido pela turma julgadora do Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, sendo relator o juiz Amaral Vieira.
O assunto não é novo (foi objeto de nossa coluna n.º 002 e esta é a de n.º 099), mas precisa ser melhor divulgado, porque a ignorância a respeito atinge tanto inquilinos quanto proprietários. Muitos destes continuam se recusando a receber as chaves do imóvel se o locatário estiver com aluguéis ou outras obrigações em atraso. Voltemos ao acórdão.
A posteriori
Trata-se de embargos infringentes (n.º 477252-01/1) opostos a acórdão que acolheu parcialmente o recurso de apelação, sob o fundamento de que foi o senhorio que deu causa à extinção antecipada do contrato de locação, o que restou reconhecido na ação consignatória das chaves.
A sentença proferida pelo juiz singular havia reconhecido o direito do locatário de unilateralmente rescindir a avença locatícia a qualquer tempo, inclusive durante o prazo determinado do contrato, sujeitando-se unicamente às penas decorrentes desse inadimplemento.
O entendimento da sentença está de acordo com pacífica jurisprudência do Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, de onde o relator pinçou a seguinte ementa:
“O locatário que não mais desejar a continuidade de contrato locacional mantido com o locador, embora a tempo certo, poderá restituir o imóvel ao proprietário locador, valendo-se para tanto, em caso de recusa, do procedimento consignatório. As perdas e damos, pagamento total dos aluguéis ou da multa contratual rescisória serão aspectos a ser apreciados ‘a posteriori’, uma vez que o inquilino continuará com o ônus do contrato, embora sem as vantagens do mesmo, que unilateralmente, quis rescindir.”(RT 453/157)
Inferência
Diga-se, a bem da verdade, que o direito de o inquilino desocupar e devolver o imóvel durante a vigência do contrato de locação não está expressamente previsto em lei. Trata-se de uma inferência que se tira do art. 4.º da Lei do Inquilinato (8.250/91), que diz o seguinte:
“Art. 4.º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, segundo a proporção prevista no art. 924 do Código Civil e, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.”
A primeira leitura indica que o locatário deve primeiro pagar a multa e depois restituir o imóvel ao locador. Uma interpretação mais abrangente da norma legal, contudo, diz simplesmente que se o inquilino desocupar o imóvel antes de vencido o contrato, ficará sujeito ao pagamento da multa estipulada no contrato, com a redução prevista no Código Civil. O pagamento antecipado da multa, portanto, não é condição “sine qua non” para que possa devolver as chaves ao locador.
Do mesmo modo, a existência de danos no imóvel não é causa impeditiva de rescisão unilateral da locação, pois todas as obrigações assumidas pelo locatário e seu fiador perduram até que sejam satisfeitas, haja ou não entrega das chaves. Por cautela, recomenda-se que sejam recebidas sempre com a ressalva “sem prejuízo do recebimento dos aluguéis em atraso, da multa contratual e do cumprimento das demais obrigações contratuais”.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone 041-224-2709 e fax 041-224-1156.